quinta-feira, 10 de abril de 2008

Bye, bye, Brasil - Brasileiros descobrem novas rotas

Três anos de planejamento, espera e tensão. R$ 20 mil gastos em taxas, cursos, roupas de frio e malas. Duas semanas de contínuas festas de despedida. Uma garage sale e 12 malas para levar o que a fonoaudióloga Valéria Dias Duarte considera ser o resumo da história de família de quatro pessoas, rumo a um recomeço de vida. Na última quarta-feira, Valéria, seu marido, Alexandre, e os dois filhos do casal, Amanda (5 anos) e Henrique (3) se despediram do Brasil e partiram para a pequena Gatineau, uma cidade de 250 mil habitantes localizada no sudeste do Canadá.

O risco de ficar parado no departamento de imigração de algum aeroporto canadense e ser deportado, a exemplo do que tem acontecido com relativa freqüência com viajantes brasileiros em trânsito pela Espanha ou Portugal, nem de longe preocupou Alexandre e Valéria.

Isso porque Gatineau pertence à província canadense do Québec, que em vez de reprimir a migração, desenvolveu programas de incentivo para atrair mão de obra qualificada e compete com o restante do Canadá pela mão-de-obra brasileira. Todo ano, agentes de imigração da província, de língua francesa, e do restante do país, que fala inglês, percorre as capitais brasileiras em busca de profissionais interessados em fazer parte da força de trabalho do Canadá. Bolsa de estudo para os filhos, com possibilidade de incentivo financeiro para quem migra com crianças, no caso do Québec, auxílio estatal para encontrar casa e emprego, orientação para cursos de idiomas fazem parte do pacote de benesses oferecidos aos imigrantes brasileiros, também desejados por outros países, como a Austrália, o Japão e a Itália, que também têm programas voltados para a concessão de dupla nacionalidade, no caso de descendentes de japoneses e de italianos, e atração de profissionais brasileiros qualificados.

Novo perfil

Dados do Ministério das Relações Exteriores mostram que o perfil do emigrante brasileiro tem sofrido uma mudança gradual, mas consistente, nos últimos oito anos. O endurecimento das regras para imigração nos Estados Unidos depois do 11 de setembro e, mais recentemente e mais importante, a queda do valor cambial do dólar têm feito o brasileiro se contentar cada vez menos com o sonho do sub-emprego em Miami ou em Nova York. Espanha, Inglaterra, Japão e Portugal se transformaram nos novos objetos de desejo dos brasileiros que desejam sair do país.

Na outra ponta, países como Canadá e Austrália voltaram seus interesses para a mão de obra brasileira com condições de migrar - um público jovem, entre 26 e 35 anos, em média, boa formação cultural e com conhecimento do idioma inglês.

- Tradicionalmente carente em mão-de-obra, todo ano o Canadá determina qual o volume de trabalhadores necessários para o país e quais as áreas onde existe demanda por profissionais - afirma a cônsul e chefe do Setor de Vistos e Imigração do consulado canadense no Brasil, Francine Galarneau. Segundo ela, o Canadá atrai cerca de 220 mil estrangeiros por ano. Só em 2006, foram 1.200 os brasileiros que integraram esse exército.



Desencanto

O casal Renato e Renata Caséca é o exemplo típico desse fenômeno. Em comum com os demais migrantes brasileiros alvo do assédio de países carentes em mão-de-obra, os dois possuem boa formação profissional. Ela é formada em relações internacionais. Ele, especialista em gestão da informação, estava cursando mestrado em segurança em informática quando o casal decidiu encarar a empreitada de migrar para o Canadá.

Outro ponto coincidente entre os emigrantes é o desencanto com a situação do Brasil. A violência é a questão mais citada entre os entrevistados pelo jornal. Renata, natural de Recife, decidiu procurar outro país para morar depois de sofrer o terceiro assalto. Valéria passou por dois seqüestros-relâmpago. Depois, vem a questão das oportunidades de emprego.

- Ganho praticamente o mesmo que ganhava quando iniciei na profissão - diz a fonoaudióloga Valéria. Hoje bem estabelecida e empregada na cidade de Calgary, no sudoeste do Canadá, Renata não tem do que se queixar. Nem do frio de -40°C, "com sensação térmica de -50°C" que enfrentou há um mês.

- Apesar do mês de janeiro ter sido bastante frio, o que a gente percebeu é que a vida não para, as pessoas saem de casa, vão trabalhar, vão ao supermercado, vão ao cinema, ao shopping, vida normal - conta Renata, confessando o medo que sentia do inverno canadense. Já adaptada, a pernambucana só que queixa do preço da carne de charque em Calgary, igual à que comprava em Recife, só mais cara.

- Para comprar 500 gramas de charque você paga 17 dólares canadenses. Mas a macaxeira e a farinha de mandioca não são caras, e você encontra em qualquer lugar.


http://jbonline.terra.com.br/sitehtml/papel/pais/papel/2008/03/23/pais20080323017.html